Paramos de procurar monstros debaixo da nossa cama quando percebemos que eles estavam dentro de nós.
Charles Darwin
Por: Rui Miguel Trindade dos Santos
Nós, seres humanos trabalhamos hoje em um mundo tão dinâmico e fugaz que as nossas memórias se tornam tão curtas e imediatistas. Apenas damos valor aquilo que nossas lembranças presenciaram ou aquilo que fizeram parte de nossos estudos mais recentes. Se voce tem a minha idade, talvez em nossa mente estejam gravados mais nitidamente o ataque as torres gêmeas dos EUA pelos terroristas do que a segunda guerra mundial em que não presenciamos.
Lógico, temos livros, vídeos, fotos, filmes que falam sobre o assunto, mas não passamos por aquilo. Para nossos avós, talvez a segunda guerra mundial é mais forte do que a primeira guerra. Porque eles vivenciaram isso. As lembranças são mais fortes. Os nossos filhos, por mais que estudem a história terão em suas mentes uma lembrança mais incisiva da guerra da Rússia x Ucrânia, do que o atentado de 11 de setembro.
O que quero dizer com tudo isso?
Está sendo recorrente hoje nos noticiários e nas redes sociais (evidentemente isso sempre existiu, mas hoje nossos meios midiáticos são mais instantâneos e abrangentes) reportagens em que muitas pessoas são expulsas de estádios, restaurantes, locais públicos, porque expõe uma tatuagem da suástica. Um símbolo do nazismo e símbolo de toda aquela desumanidade que ela representou.
Não concordar com a pessoa usar aquela tatuagem que representa uma forma de pensar, é um direito seu. Apenas porque voce tem uma opinião diferente não lhe dá o direito de excluí-la de um local onde ela pagou para estar e tem o direito de estar ali. Mesmo porque existem pessoas que são adeptas a “ideia” ou “ideais” do nazismo, mas não expõe isso através de tatuagem, de flamular uma bandeira ou mesmo criando vídeos na internet propagando o ódio e os conceitos racistas e antissemitas. Talvez seu amigo agora pode estar dentro de sua casa e voce não saiba que ele apoia tais pensamentos de Hitler. Então por que expulsar ou tratar violentamente uma pessoa que se familiariza por este sistema? Quando nós apoiamos a violência contra os ideais de uma pessoa, nós também estamos discriminando. Se ela não está maltratando ninguém e se ele não está incomodando ninguém, qual o problema dessa pessoa expressar a sua religião ou aceitação de seus pensamentos através de uma tatuagem?
Esperem um pouco. Sei que muitos agora já estão me julgando ou achando que eu sou defensor de um lado ou de outro. Vou explicar.
Tenho aversão a qualquer tipo de racismo, seja ela por cor, raça, religião, cultura ou sexo, (a etimologia de racismo mostra que deve se aplicar apenas a raça, então desculpe a generalização). Vale lembrar que a minha religião foi uma das mais castigadas nos campos de concentração nazistas. Nesse momento voce me faz a seguinte indagação: - Mas como pode concordar de uma pessoa carregar na pele um símbolo que representa tantas ou milhões de mortes inocentes e de uma forma tão cruel?
Então vamos com calma. Primeiro, não é questão de apoiar ou não apoiar um pensamento e sim respeitar o livre arbítrio do outro.
Segundo, se tem mais de 15 anos, voce já está estudando sobre as cruzadas ou a inquisição. Desde o século VII até meados do século XVIII e principalmente no quinto e sexto século em que houve as principais divisões da igreja, centenas de milhares de pessoas morreram em nome de Deus e de Cristo (mesmo os Dois não pedindo nada disso).
Quem não acatasse a autoridade do clero – e muitos não o fizeram – era considerado herege, rebelde. Os hereges foram submetidos a vários tipos de punição, desde a prisão até a morte na fogueira. Ficou tristemente célebre uma espécie de tribunal religioso que julgava e condenava pessoas acusadas de heresia. Por exemplo, o papa Inocêncio IV (1190-1254) criou até uma lei especial que obrigava os príncipes a queimar, num período de cinco dias, todas as pessoas consideradas hereges pela Igreja. Se não cumprisse a determinação pontifícia, o príncipe era excomungado. A primeira aparição desse tribunal ocorreu na França, em fins do século XII, sob o nome de Inquisição. Também chamada de Santo Ofício, a Inquisição existiu em todos os países católicos da Europa, estendendo mais tarde sua autoridade sobre as colônias (Brasil, inclusive). Logo, foi implantado um regime de terror, patrocinado pela alta hierarquia eclesiástica: Os bispos tinham ordens de assalariar informantes cujo dever era denunciar todos os cristãos suspeitos, isto é, todos aqueles cuja maneira de viver divergia da dos católicos. Os bispos, então, examinavam estes cristãos e os puniam como achavam conveniente. Os bispos que deixassem de contribuir com suas quotas de hereges queimados eram, por ordem do papa, depostos de seus cargos. Em alguns casos, quando mostravam muita clemência com suas vítimas, eram ameaçados de prisão, sob a acusação de heresia. (Henry Thomas, A história da raça humana, 2. ed., Porto Alegre, Globo, 1959.) Interpretações bizarras da bíblia e a utilização dela para ludibriar aqueles que não conseguiam interpretá-la, não tinham o principal objetivo de propagar o amor como ensinou Jesus, e sim para manter uma supremacia religiosa. Foram mortas através da inquisição desumana, das guerras sangrentas abençoadas pelos papas, das cruzadas e por pressões provincianas, muito mais pessoas inocentes do que a segunda guerra mundial matou.
Quero dizer, hoje as pessoas carregam em seu peito, no pescoço, colado em seus automóveis e até mesmo tatuam em seu corpo a cruz solitária ou com cristo morto nela. Muitos sentem orgulho disso. E acredito na utilização inocente deste objeto sagrado. Mas este mesmo objeto sagrado foi um símbolo usado para justificar a morte de milhões de pessoas através dos séculos. Todos foram mortos em nome dessa cruz. Mas porque isso não é considerado hoje?
Voltamos a questão da memória curta do ser humano. É muito mais forte a memória da segunda guerra, do antissemitismo, do racismo e de Hitler do que acontecimentos a 200 anos atras. Mesmo porque depois dos anos 1900, ocorreu a reforma do vaticano e da sua estrutura papal, e esses incidentes não voltaram a acontecer. Mas isso não quer dizer que vamos esquecer destes fatos.
Estou mostrando que nós não podemos condenar uma pessoa por usar um símbolo de uma ideologia que fez tantas pessoas sofrerem e ironicamente nós carregarmos em nosso peito o símbolo religioso que também tirou a vida de tantas pessoas de maneira cruel e autoritária.
Por exemplo, não é incomum ver alguns tipos de jovens usar explicitamente em suas costas ou partes do seu corpo o nome “lucífer” ou mesmo desenhos que o representam (o diabo, satanás, belzebu, tinhoso, sete palmos, demônio, sei lá do que voce o chama) sem nenhum tipo de pudor. Isso é muito contraditório. Nós condenamos uma pessoa por usar um símbolo suástico que todos dizem que seu líder é uma personificação do diabo, mas não nos incomodamos com o próprio diabo tatuado na pele de outras pessoas.
A questão é: Não importa em que acreditamos. Se as pessoas não estão catetizando ninguém e nem prejudicando ou maltratando de forma física ou emocional o seu próximo, não há por que não os respeitar.
Lembrem-se, que segundo a bíblia no seu gênesis a maior dadiva que Deus deu as sua criação foi o livre arbítrio. Então, não precisamos julgar ou condenar. Apenas respeite, assim como tantos outros respeitam a suas decisões e suas opiniões.
Rui Miguel Trindade dos Santos
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