Por: Rui Miguel Trindade dos Santos
O narcisismo é um conceito que transcende as fronteiras da psicologia, adentrando também as discussões da filosofia, tanto moderna quanto antiga. Na mitologia grega, a lenda de Narciso é emblemática: um jovem tão obcecado por sua própria beleza que se torna incapaz de amar outra pessoa e acaba se perdendo em sua imagem refletida na água. Esse mito ilustra o perigo do amor-próprio excessivo e da falta de empatia, temas que ressoam nas reflexões filosóficas ao longo dos séculos.
Na filosofia antiga, Platão, em sua obra "O Banquete", discute o amor (eros) e suas diversas formas. Para Platão, a verdadeira beleza transcende a aparência física e deve ser buscada na sabedoria e na virtude. O narcisismo, por outro lado, está enraizado numa apreciação superficial das qualidades, o que limita o indivíduo a um estado de estagnação, pois a busca por um amor mais elevado é desviada em direção à auto-obsessão.
Com o advento da filosofia moderna, pensadores como Kant e Nietzsche abordaram o eu de maneiras que podem ser relacionados ao narcisismo. Kant enfatiza a importância da moralidade e do dever, sugerindo que a verdadeira dignidade do ser humano reside na capacidade de agir não por interesse próprio, mas em consideração ao outro. Já Nietzsche, com seu conceito de "vontade de poder", apresentou uma visão mais complexa do eu, onde a autoafirmação pode ser vista como uma forma de superar a mediocridade, mas que, se levada ao extremo, pode cair no narcisismo.
Nos dias atuais, o narcisismo é frequentemente analisado através da lente da cultura contemporânea e das redes sociais, onde a autoexibição e a validação externa se tornaram fundamentais para a construção da identidade. A filosofia modernista, que enfatiza a subjetividade do indivíduo, pode ser um fator que contribui para essa tendência, levando a uma reflexão sobre o equilíbrio entre a autoafirmação e a consideração pelo outro.
Em suma, o narcisismo, abordado tanto na filosofia antiga quanto na moderna, questiona as relações do indivíduo consigo mesmo e com o mundo. Ele nos desafia a refletir sobre os limites do amor-próprio e a importância do altruísmo e da verdadeira conexão humana. A constante busca pelo conhecimento e pela auto-reflexão pode ser a chave para evitar os perigos do narcisismo, promovendo um entendimento mais profundo da beleza que reside na diversidade das experiências humanas.
Rui Miguel Trindade dos Santos
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